segunda-feira, 18 de novembro de 2019

Causos Publicados do Mês - 004/2019


Foto: Deusely Fernandes

Seu Antônio do Padre – O Frasista

O Sr. Antônio do Padre solteirão iletrado, mas de muita sapiência, vivia na Fazenda do Morais, de propriedade de um tio meu. Criado pelos padres (daí a alcunha) era de grande devoção, respeitador, educado e muito severo no vestir-se, não dispensando o surrado paletó nem no desempenho das tarefas da fazenda dentre elas, lambicar a famosa cachaça Apolo XI, que, infelizmente não é mais produzida. Apesar da criação austera e espartana, desde cedo demonstrou inclinação para bom apreciador de uma branquinha, paquerador (se bem que, a maioria de suas paqueras, não passassem de ilusões de sua mente quase inocente), valentia inofensiva, pois sempre que se arvorava em bravatas de tiros, porretadas e facadas, não tinha adversários em respeito à sua idade, modos e condição física. Um Quixote mineiro a bater-se contra moinhos imaginários. Além desta figura pitoresca, foi filósofo capiau e deixou centenas pérolas de conteúdo humorístico. Como as que reproduzo a seguir:
Apaixonado pela Marli, uns 40 anos mais jovem, fazia vistas grossas ao namoro da pretendida com o seu sobrinho Bastião! Teve noivado, peditório e etc. Até que, marcado o casamento, ele não só bebeu e quis brigar, como também se negou a ir às bodas. Consumado o inevitável e com os noivos em viajem de lua de mel, queixou-se muito aborrecido e suspiroso: “Não despediram de mim, mas... adeus ingrata!”
De outra feita, férias, a casa cheia de sobrinhos adolescentes barulhentos, incomodado com o ri-ri-ri de um magote de moçoilas e rapazes, o Seu Antônio proferiu esta: “Eu sou igual ao Compadre João, rio sem mostrar os dentes”. Nem é preciso dizer que esta frase, além de se tornar antológica em família, rendeu mais uma semana de gargalhadas, para desconsolo do nobre senhor.
Ao sair para tomar umas e outras, capítulo à parte nas peripécias do Seu Antônio, ficava logo muito valente e estufando o peito esquelético, sob o indispensável paletó, de dedo em riste na porta do boteco do Melquíades, lascava: "Comigo é assim: pato num bota! Se botá, num choca! Se chocá, num tira! Se tirá num cria e, se criá, eu mato!" E ainda na fase bêbado-valente: "Eu, sou-me eu, e jacarés é um bicho!"
E a que eu mais aprecio: bêbado-valente-romântico, muito apaixonado, ao ver passar a Marli, cheio de sua empáfia peculiar, dizia: "Marli, minha frô de fremosura, cê é minha e boi num lambe. Se lambê, eu cort'a língua!"
Não cortou língua de boi nenhum, que houvesse lambido ou não a mão da sua Marli, não matou, feriu ou mesmo agrediu fisicamente a ninguém. Era apenas um velho senhor de alma pura e sonhadora, criado pelos padres e que partiu desta vida deixando, além de bons serviços prestados e muita gentileza espalhada, uma série de frases e cenas que enriquecem o anedotário da família e que, vira e mexe, alguém se lembra.
Sua bênção, Sr. Antônio dos Padres, deve estar divertindo muito a Deus e suas falanges aí no infinito insondável . Boa semana e com muitas gargalhadas a todos e, se virem por aí o Seu Antônio do Padre, deem-lhe um forte abraço e digam-lhe de minha saudade.



Causos publicados em minha coluna DEDIM DE PROSA no portal OLHO VIVO de Volta Redonda (RJ) em 17/11/19.


10 comentários:

  1. Boa noite, lendo este causo, pode viajar no senhor Antonio ..parabéns seus causos e poemas são realmente encantador.

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  2. Boa noite, lendo este causo, pode viajar no senhor Antonio ..parabéns seus causos e poemas são realmente encantador.

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  3. Kkkk.... Legal este causo e muitos outros. ..👏👏👏👏

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  4. Parabéns seus poemas são encantadores!💝

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  5. Conhece/conviver com um Antônio do Padre é ter na vida um gostinho especial. Amo ler os "Causos" que escreve. É prazeroso, ler. Abraços, poeta.

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  6. Muiti interessante o causo do seu Antônio. Parabéns!!!

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  7. 😂😂😂 Devia ser uma peça rara mesmo. Adorei os causos!

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