quarta-feira, 16 de outubro de 2019

Poemas Publicados - 024/2019


Foto: Edna Oliveira (ES)

Poetar

Não fosse a ansiedade pungente
e minha alma calaria!
Mudo espírito
contemplativo, apenas...
Não fossem os veios abertos
e as angustias jorrantes
meu cérebro – porão desabitado –
jazeria fechado
silencioso e úmido.
Não fosse o carpir infatigável
seleção de joios
no trigal da existência
e minha pena repousaria
no umbral das penas.
Mas a dor coabita e copula
em minha mente
gerando as tais flores de revolta
e poetar é preciso.
Não fosse o medo ancestral
da fera, da solidão, da morte
e a implícita ameaça da danação eterna
e bastaria o caderno de folhas virgens...
calava-me!


Inerte, posição fetal
larva, coliforme, unicelular
mas viver é imperativo!


***

Milagres da Razão

Nos jardins de Strauss
desabrocham
milagres da razão.


Na colmeia órfã
se debatem prosélitas operárias
e deslumbradas voejam
em torno da cruz iluminada
sob o foco de novíssimos neons.


Prenhes alvéolos
de néctar evolucionista
o materialismo apaga
antigos archotes.


Triunfantes, por traz dos bigodes,
de mãos dadas
Darwin e Nietzsche
sorriem enfim...

***

Apelo à Morte

Sob a Égide da Cruz
Zeus destronado já não mais pode
Provocar os vômitos de Cronos,
E o nosso destino é ser lentamente devorados!
...esperança não há!

Quisera a sorte de Diomedes
e ser estraçalhado nos dentes
Das putas devoradoras de homens,
Mas só me resta a lápide,
O cortejo e a perene condenação!
...salvação não há!

De águas estancadas, Lete não banha
E para as sujas sombras dos mortos
Somente o repaginado reino de Hades
Num inferno de fogo.
...esquecimento não há!

As algemadas Moiras não me tecem sequer um fio
E nos meus bolsos pobres
Não tilintam moedas para o barqueiro,
Reinam absolutos Momo e Oizus
E nosso único quinhão possível é zombaria e miséria...
...vida não há!

***

Quebranto

Seus olhos
os olhos meus...
Renderam-se em alumbramentos
num átimo, corrente de vento,
com sabor de azul piscina
e o cheiro de pores-do-sol.

Mas veio o ciúme
o quebranto
mau-olhado nos olhos meus
e o azul brando do vento
virou vermelho descontentamento
em meus olhos
nos olhos seus...

E o gosto insalubre do pranto
rolando num pós encanto
num fastio-inanição
cobriu de breu, no meu peito,
os meus olhos
os olhos seus...

...e os olhos do meu coração!

 Poemas POETAR, MILAGRES DA RAZÃO, QUEBRANTO, APELO À MORTE, ESTAÇÃO DAS CHUVAS  e ALICERCES SUSPEITOS publicados na antologia PRÊMIO SHAKESPEARE DE LITERATURA  2016  - pags. 121 a 126 - organização: MÁRIO SCHERER - REAL ACADEMIA DE LETRAS - Porto Alegre (RS) - 2016.

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