Foto: Vera Buosi
O
Casório de João Punhanga
João
Punhanga foi criado em Comercinho, mas era natural de Curralzinho (Currazinho
ou Curralinho como se dizia naquela época, nos tempos do Onça). Sabido era que,
vivendo naquelas paragens não iria progredir, por isso decidiu que aos 18 anos,
quando se tornasse de maior iria para
a cidade grande. E a maior que existia nas proximidades era a antiga São Miguel
de Almas, da comarca de Conceição do Mato Dentro. Plano feito, plano executado:
bateu na casa dos 18 e se pôs na estrada, rumo à nova vida.
Na
cidade, sem emprego, padrinho ou ninguém, para se virar, comprou uma caixa de
engraxate e como era um caboclo atarracado e valente, se apossou do melhor
ponto da cidade, a praça do fórum. E ali vivia do trabalho de deixar os velhos
sapatos com cara de novos e seus donos com ares de gente importante. Um de seus
clientes mais assíduos era o Juiz de Direito para quem engraxava as
meritíssimas botas três vezes por semana. Sua excelência acabou tomando gosto
pelo João Punhanga e se tornaram amigos.
Passa
o tempo e o João que já namorava a Maria há algum tempo resolveu se casar e
pediu conselhos ao dono das meritíssimas botas que ele engraxava de três em
três dias. Queria na verdade uma aprovação se Sua Excelência, que, ao
contrário, passou-lhe um especial:
“Donde já se vira tamanho despautério, um simples engraxate querer se casar?
Com que trataria da esposa e dos filhos que, invariavelmente, nasceriam deste
enlace?” João recebeu aquele golpe como um soco no estômago semivazio. Esperava
uma palavra de incentivo, uma aprovação, um habeas
corpus para poder se matrimoniar em paz e, no entanto, recebia uma
carraspana? Deixa estar! Dizem que um matuto guarda seu desafeto por toda a vida. Ledo engano! O matuto guarda o
dito cujo por toda esta vida e metade da outra.
Semanas
depois estão as meritíssimas botas recebendo os bons cuidados do Punhanga,
sério, calado e introspectivo, quando Sua Excelência o interpela e:
−
Então amigo João, já desistiu do seu intento de se casar? Afinal, daqui uns
anos, vêm dois ou três filhos e o amigo vai tratar deles com o que?
E o
Punhanga não precisou guardar mais sua ira.
−
Doutor, é o siguinte: vou tratá deles co’a providênca divina, as
minhas engraxações e a puta que o pariu!
Dois
meses depois, com a providência divina e os demais, após sair da cadeia,
casou-se com sua Maria e foram felizes um tempão!
Causos publicados em minha coluna DEDIM DE PROSA no portal OLHO VIVO de Volta Redonda (RJ) em 28/10/19.
Gostei muito desta prosa, recordei do meu avô, que morou na roça numa casa bem simples, não tinha nem luz elétrica, mais adorava aos domingos reunir a família, contar as suas prosas, obrigada.
ResponderExcluirObrigado, Edilena, que bom que lhe trouxe boas lembranças. Abraços.
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