Turrinha - Foto: Arquivo de Família
Algumas Peripécias de Meu Pai
Meu
pai sempre foi espirituoso, ligeiro nas respostas e do tipo que não é afeito a
levar desaforos para casa, características que, em muitos casos, eu gostaria de
ter herdado. Certa vez, estando a negócios na comunidade de Lapinha, uma região
montanhosa e de muito vento, num dia de chuva fina e fria, ele despreparado de
agasalhos; em tempo de congelar, escondeu-se da ventania atrás da igreja,
tentando acender um pito, quando um dos moradores do local lhe pergunta:
− Cumé
que sua graça mesmo moço? – E o Velho Turrinha não deixa barato:
− Ah Rapaz,
todo moiado, nesse frio e de ressaca, eu lá vou ter graça? Tenho graça nenhuma
não.
***
Havia
um confinante nosso, moço arrogante, que, não me lembro por qual motivo, se
desentendeu com o velho e deixaram de se falar. Na divisa entre as fazendas
havia uma represa que servia a ambos, no nosso caso, fornecia água para tudo e
no caso do outro, apenas como bebedouro do gado. Uma das vacas do dito cujo deu
de morrer justamente nas margens da lagoa. Meu pai, vencendo a ojeriza que
sentia do sujeito, vai a sua casa e lhe diz para dar um jeito de tirar a vaca
da água. O moço lhe responde rispidamente que não tinha como fazê-lo e que o
velho “dess’eus jeito”. O pai apenas
respondeu:
− Ah
Rapaz, se ocê num é capaz de tirar a vaca d’água, eu sô capaz de tirá a água da
vaca.
O moço
apenas riu grosso, pigarreou, balançou a pança, fazendo pouco. O Velho
Turrinha chamou dois camaradas para trabalhar e, no dia seguinte, arrombaram a
lagoa. Pior para o vizinho que teve de comprar uma “nesga” de terra, a um preço muito além do que valia, para que o
seu gado tivesse acesso a água.
***
Velho
Zé Maia, apesar de contemporâneo do meu avô, era sogro do Bisa Modestino (Seu
Modesto, com mais de 80, se casou com a Vó Chica, recém-saída da puberdade) e
por isso, era meio que um bisavô do meu pai. E era de uma franqueza exagerada,
sobretudo se o assunto era café. Todo que lhe era servido, ele reclamava que
estava morno. Numa tarde de verão, sol de rachar, meu pai o vê no alto do
morro, em sua velha égua da orelha quebrada, descendo “à passo” na direção de
nossa casa. Na roça sempre tem uma panela de água no primeiro suspiro do fogão,
o Velho Turrinha aviva o fogo, põe o bule de café em banho-maria juntamente com
uma caneca de alumínio. Quando o parente “apiado” da égua, abancado na varanda
e depois dos cumprimentos de praxe, aceita o café que lhe foi oferecido;o pai,
retirando com ajuda de um garfo a caneca do banho-maria, despeja-lhe o café
escaldante e usando um prato à guisa de bandeja serve-lhe a bebida. Quando esse
sorve aquele líquido fervendo e cospe para todo lado, toma fôlego e grita:
− Toim
de Chico, esse num quentô. Danô!
Causos publicados em minha coluna DEDIM DE PROSA no portal OLHO VIVO de Volta Redonda (RJ) em19/10/19.
Adoraria ter conhecido pessoalmente o Velho Turrinha. Ficaria horas, ouvindo suas histórias. Inteligente como muitos outros , mineirim. Abraços. ❤️
ResponderExcluirMeu pai foi, ao mesmo tempo, autor, protagonista e contador de muitas histórias hilárias e que prendia-nos a atenção. De fato, você daria boas risadas com ele. Abraços e obrigado por sempre interagir com minha escrita,
ExcluirObrigada por compartilhar essas peripecias! Seu pai era peça raríssima! Saudade...
ResponderExcluirPois é Roberta, quem teve o privilégio de conviver e conhecer o Seu Turra (como lhe chamava um amigo comum que também já virou saudade) sabe o quanto ele era fiel amante da vida. Abraços.
ExcluirÉ muito bom recordar, falando do seu pai, não o conheçi, mais fico imaginando ele contando as histórias e a família ao redor dele,e me faz lembrar do meu avô, que tinha este costume, gratidão por postar está história, abraços.
ResponderExcluir